O Que Ninguém Prepara: A Bagagem Emocional da Vida no Exterior

Se você vive fora do Brasil, talvez já tenha sentido isso: a sensação de carregar um peso que não se vê. Pode ser o nó na garganta depois de uma ligação com a família. Pode ser o cansaço de tentar se explicar numa língua que não é a sua. Pode ser aquele silêncio que aparece no fim do dia, quando tudo parece estar certo por fora, mas por dentro está difícil. Esse texto é para você que saiu do seu país, mas às vezes sente que também saiu de si. A vida no exterior traz muitos desafios. Alguns são práticos: moradia, trabalho, adaptação cultural. Outros são mais difíceis de explicar, porque acontecem por dentro. Uma mistura de saudade, insegurança, medo de não dar conta, solidão. E isso não é exagero, nem fraqueza. É parte de uma experiência humana profunda e é legítima (Matsue, 2012; Onório & Silva, 2025). A psicologia tem estudado o que acontece com pessoas que vivem longe do seu país. E esses estudos mostram que a migração não afeta apenas a rotina, mas também a forma como a pessoa se vê, se sente e se relaciona com o mundo. No Japão, por exemplo, muitos brasileiros vivem há anos sem se sentirem integrados. Mesmo depois de tanto tempo, ainda enfrentam barreiras linguísticas, invisibilidade social e dificuldade de acesso a serviços básicos. Matsue (2012), que estudou essas comunidades, identificou que a falta de pertencimento gera sofrimento emocional intenso, como solidão, ansiedade e tristeza. Ela observa que, sem conseguir se comunicar plenamente, muitos brasileiros evitam buscar ajuda médica e psicológica, mesmo quando sentem que precisam. Nesse contexto, o que tem feito diferença é o apoio emocional entre compatriotas. Grupos religiosos, por exemplo, têm servido como espaço de escuta e acolhimento, ainda que, às vezes, envolvam normas morais rígidas. O importante é que nesses espaços, a pessoa se sente menos sozinha e menos à margem. Gustavo Dias (2010), ao pesquisar a vida de imigrantes brasileiros em Londres, encontrou outro ponto fundamental: a casa. Mesmo que seja um quarto alugado e compartilhado, a casa vira um espaço de reconstrução. É onde se come arroz com feijão, onde se fala português, onde se mantém vivas pequenas tradições. Segundo Dias, esse ambiente doméstico (ainda que precário), ajuda a manter uma sensação de identidade, de continuidade, de quem se é. Em outras palavras, a casa se transforma num lugar onde é possível respirar. Mas há algo que escapa à vista e também pesa: o modo como a pessoa se compara aos outros. Moura (2024), ao estudar brasileiros que vivem em Portugal, percebeu que quanto mais os imigrantes se comparam com os portugueses ou grupo socialmente mais valorizado, maior é o impacto negativo sobre a autoestima. Sentem-se insuficientes, deslocados, incapazes. Já quando se comparam com pessoas em situação semelhante, ou com sua própria trajetória, o efeito é mais acolhedor. Há mais realismo e menos cobrança. Essas experiências, o isolamento, o sentimento de inadequação, a autocrítica constante têm algo em comum: a forma como são interpretadas internamente. E é nesse ponto que a psicologia clínica tem muito a contribuir. Aaron Beck, um dos principais nomes da psicologia contemporânea, mostrou que o sofrimento emocional não está apenas nos fatos, mas na maneira como os interpretamos. Quando a pessoa pensa “não estou me esforçando o bastante” ou “nunca vou me adaptar”, esses pensamentos passam a moldar o que ela sente e como age. Muitas vezes, esses pensamentos surgem automaticamente, com base em crenças antigas, como “preciso ser perfeito para ser aceito” ou “sou um fracasso se não der conta de tudo”. Essas ideias, chamadas por Beck de crenças centrais, costumam ser ativadas em momentos de estresse ou mudança como a migração. Elas funcionam como lentes pelas quais a realidade é interpretada. E quanto mais rígidas forem essas lentes, mais difícil se torna enxergar a própria história com compaixão e perspectiva. Além dos pensamentos, é preciso olhar para as emoções. Leahy e colegas, observaram que muitas pessoas não sofrem apenas pela emoção em si, mas pela tentativa de fugir dela. Quem vive fora do seu país pode sentir uma mistura de raiva, medo, vergonha e tristeza, mas sem conseguir nomear ou expressar isso. Em vez disso, se cala, se sobrecarrega, ou se isola. E isso só aumenta a sensação de estar sozinho com o próprio sofrimento. O que Leahy propõe é o desenvolvimento de recursos emocionais, aprender a lidar com as emoções, tolerar desconforto, reconhecer os próprios limites. Ele mostra que emoções como ansiedade ou tristeza não são sinais de fraqueza, mas respostas humanas a contextos difíceis. O problema está em como lidamos com essas emoções quando elas se tornam intensas demais, frequentes demais, ou nos impedem de viver. Esse conjunto de pensamentos rígidos, emoções mal compreendidas e comportamentos de evitação é algo que pode ser transformado com ajuda profissional. Não se trata de apagar a dor, mas de compreendê-la. De construir novas formas de interpretar o que está sendo vivido, reconhecendo a complexidade da vida fora do país sem romantizar, mas também sem se abandonar. Na prática clínica, é possível ajudar alguém a identificar quando está preso em ciclos de autocrítica, quando está reagindo a velhas crenças em vez de fatos, ou quando está tentando ser forte demais por fora enquanto tudo desmorona por dentro. Trabalhar essas camadas é uma forma de organizar a bagagem emocional acumulada. E isso pode abrir espaço para respirar, escolher e se reconstruir. Viver fora do Brasil não deveria significar viver longe de si. O que você sente faz sentido. E merece espaço para ser cuidado com respeito, ética e escuta. Se essa leitura te tocou de alguma forma, saiba que é possível atravessar esse momento com apoio. E que não é preciso seguir sozinho. Referências Beck, A. T. (1979). Cognitive therapy and the emotional disorders. New American Library. Dias, G. T. (2010). Casa de brasileiros em Londres: A importância da casa para os imigrantes brasileiros. Travessia: Revista do Migrante, 66, 45–51. Leahy, R. L., Tirch, D. D., & Napolitano, L. A. (2021).
Burnout: A Verdade Oculta Por Trás Do Cansaço Que Vai Além Do Trabalho

É cada vez mais comum ouvirmos falar sobre Burnout no contexto da saúde mental do trabalhador. Mais do que um simples “diagnóstico”, esta síndrome reflete uma realidade alarmante. Segundo Brum (2024), o número de trabalhadores que tiram licença devido à síndrome de Burnout aumentou em impressionantes 1.000% desde 2014, com um salto expressivo entre 2020 e 2023. Este artigo tem como objetivo desmistificar os conceitos por trás dessa condição que vai muito além do cansaço “normal” relacionado ao trabalho. Além disso, quero oferecer insights que ajudem você a entender como o Burnout se desenvolve e como preveni-lo. Afinal, compreender é o primeiro passo para agir. O Que Significa Burnout? A palavra “Burnout”, em inglês, segundo o Oxford Languages, significa literalmente “a redução de um combustível ou substância a nada por meio de uso ou combustão”. Em termos humanos, o Ministério da Saúde define a síndrome como “um distúrbio emocional marcado por esgotamento extremo, estresse e fadiga física decorrente de situações de trabalho desgastantes, que demandam alta competitividade ou responsabilidade.” Nas entrelinhas dessas definições está a essência do Burnout: um processo de esgotamento total e irreversível. A seguir, apresento cinco aspectos cruciais que ilustram esse fenômeno: Vamos explorar essas dinâmicas por meio de casos reais, que ilustram a progressão silenciosa e os impactos devastadores do Burnout. Caso 1: O Desgaste Invisível do Dia a Dia Uma cliente relatou cansaço persistente e desinteresse por atividades prazerosas, apesar de ter tempo livre após o trabalho. Seu refúgio era o sofá, onde passava horas no celular. No trabalho, enfrentava carga excessiva e um ambiente tóxico, agravado por deslocamentos diários desumanos em transportes públicos lotados. O Processo do Burnout A Análise Este caso mostra como o Burnout é multifatorial, envolvendo não apenas o trabalho, mas também elementos negligenciados, como deslocamentos e ambientes coletivos insalubres. Caso 2: A Ilusão da Recuperação Rápida Outra cliente, diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), enfrentou uma crise de ansiedade severa no trabalho e foi afastada por 30 dias. Embora os sintomas tivessem melhorado temporariamente, ela retornou ao mesmo ambiente estressante, e o Burnout persistiu. O Ciclo do Burnout A Análise Esse caso revela que o Burnout exige uma abordagem profunda e integrada, indo além de soluções temporárias. Recuperar-se requer mudanças no ambiente, práticas de reposição e compreensão sobre a síndrome. A Verdade Oculta: O Que Vai Além do Trabalho O Burnout não é apenas sobre trabalho excessivo. Trata-se de: Para compreender profundamente como esses estágios afetam sua vida, o Maslach Burnout Inventory™ (MBI) é uma ferramenta científica amplamente reconhecida. Este assessment é realizado com a orientação de um psicólogo ou psiquiatra, permitindo: Se você está enfrentando sinais de Burnout ou deseja prevenir o esgotamento, realizar o MBI pode ser o primeiro passo para transformar sua rotina. Com o suporte de um profissional, você receberá um direcionamento claro e eficaz para recuperar seu equilíbrio. Influenciadora? Só se for de autocuidado, autoconhecimento e umas verdades que a terapia não esconde.Sou psicóloga e crio conteúdo para quem prefere profundidade à performance. Aqui, saúde mental não é tendência: é prioridade.Se chegou até aqui, não foi por acaso. Fica. Lê. Reflete. Ou volta quando quiser, a porta está sempre aberta. Por Andrea Cruz | Atualizado em 21/01/2025
Ansiedade não é só emoção, é interpretação: o que aprendemos com Riley em Divertida Mente 2

Quem assistiu ao novo filme Divertida Mente 2 talvez tenha saído do cinema com uma sensação estranha, uma mistura de identificação, desconforto e até saudade de si. Isso porque a Riley, agora adolescente, não está apenas sentindo novas emoções. Ela está tentando entender o que tudo isso diz sobre ela. E aí está o ponto principal: sentir ansiedade, vergonha, tédio ou inveja faz parte da vida. Mas a forma como interpretamos essas emoções pode definir o quanto elas nos machucam. Esse é o foco da Teoria dos Esquemas Emocionais, desenvolvida pelo psicólogo americano Robert Leahy. Ela propõe que todos nós temos uma espécie de “teoria pessoal” sobre o que significa sentir. Essa teoria é construída ao longo da vida (pela cultura, pela família, pelas experiências) e determina como reagimos ao que sentimos. Riley sentiu ansiedade, mas o problema foi o que ela acreditou sobre isso No filme, Riley começa a viver emoções novas e intensas. A ansiedade, por exemplo, aparece forte quando ela é convocada para um teste de hóquei. Mas mais do que ansiosa, Riley parece confusa, envergonhada e insegura. E isso tem menos a ver com a emoção em si, e mais com as ideias que ela começa a formar sobre ter ansiedade. Ela pensa que se está ansiosa, então algo está errado. Que se sentir medo, vai falhar. Que se demonstrar nervosismo, será rejeitada. Segundo Leahy, essas crenças formam o que chamamos de esquemas emocionais. E o problema com eles é que muitas vezes são distorcidos, rígidos e silenciosos. A gente não percebe que está acreditando nessas ideias, só sente que está tudo “errado” dentro da gente. Emoções não são o problema… o problema é como você aprendeu a julgá-las Quantas vezes você já pensou algo como: Essas crenças podem parecer verdades absolutas, mas são interpretações. E mais importante: são aprendidas. Leahy explica que pessoas que veem emoções como ameaçadoras ou vergonhosas tendem a desenvolver estratégias de enfrentamento que só pioram a situação, como ruminar, evitar, se isolar ou se criticar. Riley mostra isso de forma simbólica no filme. Ao tentar “calar” suas emoções ou esconder o que está sentindo, ela perde o equilíbrio interno. E não é assim com a gente também? E se você começasse a questionar o que acredita sobre o que sente? Um dos caminhos terapêuticos possíveis, e que essa teoria propõe, é o seguinte: ao invés de tentar controlar ou eliminar o que você sente, que tal investigar o que você pensa sobre essas emoções? Em vez de se perguntar “como paro de sentir isso?”, talvez o mais útil seja perguntar: Essas perguntas não resolvem tudo de uma hora para outra. Mas abrem espaço para um tipo de mudança mais profunda: uma nova relação com suas próprias emoções. Uma relação menos exigente, menos julgadora e mais humana. Emoções difíceis não são falhas, são parte da vida O filme mostra que crescer é, muitas vezes, confuso. E que sentir demais pode parecer um problema. Mas o que Divertida Mente 2 também nos ensina é que as emoções precisam de espaço para existir e que tudo começa pela forma como escolhemos olhar para elas. Se você vive lidando com ansiedade, talvez o que mais doa não seja a emoção em si, mas o peso das exigências internas. O medo de parecer vulnerável. A cobrança de ter que estar sempre bem. Você não precisa controlar o que sente. Precisa compreender o que acredita sobre o que sente. E isso pode ser trabalhado. O processo terapêutico é um espaço seguro para reconstruir essas crenças, aprender a validar emoções e desenvolver formas mais funcionais de se relacionar com sua experiência interna. Referências: Leahy, R. L. (2018). Introduction: Emotional Schemas and Emotional Schema Therapy. International Journal of Cognitive Therapy, 12(1), 1–4. https://doi.org/10.1007/s41811-018-0038-5 Influenciadora? Só se for de autocuidado, autoconhecimento e umas verdades que a terapia não esconde.Sou psicóloga e crio conteúdo para quem prefere profundidade à performance. Aqui, saúde mental não é tendência: é prioridade.Se chegou até aqui, não foi por acaso. Fica. Lê. Reflete. Ou volta quando quiser, a porta está sempre aberta. Por Andrea Cruz | Atualizado em 04/07/2024